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A aversão por culturas diferentes é um transtorno que pode ser vivido dentro do próprio território, do próprio país. O preconceito regional e seus contextos motivaram o jornalista e pesquisador Octávio Santiago a escrever o livro “Só sei que foi assim: a trama do preconceito contra o povo do Nordeste” (Editora Autêntica), que será lançado no dia 24 (sábado), às 16h, durante a segunda edição do evento Ocupação Literária, na Pinacoteca do Estado. O autor investiga e destrincha as camadas dessa xenofobia que atravessa mais de um século.
O livro é resultado da pesquisa de doutorado que Octávio realizou na Universidade do Minho, em Portugal – mas o interesse pelo tema vem de muito antes. “Eu mesmo passei por algumas situações difíceis em Brasília e ouvia muitos relatos semelhantes de amigos, além das representações incômodas nas artes, especialmente no audiovisual”, afirma. O doutorado surgiu então como uma oportunidade de dedicar tempo ao tema, já que exigia fôlego e profundidade.
A estrutura do livro remete à dramaturgia clássica, com cinco atos que abordam os pilares desse preconceito: mão de obra e desigualdades, racialização, monotematização (seca, fanatismo, violência), oposição e interesses, e estereótipos físicos e culturais. A obra percorre o modo como, ao longo do último século, discursos políticos, culturais e midiáticos forjaram uma identidade subalterna para o povo nordestino.
Segundo o autor, “se os primeiros quatro séculos da nossa história oferecem uma chave para entender os conflitos entre os Brasis, os últimos cem anos trazem uma constatação incômoda”. Octávio explica que grande parte das declarações feitas sobre o Nordeste e sua população, logo após sua formalização no papel, permanece inalterada.
“Ainda ouvimos as mesmas sentenças depreciativas de 1925, como se, em um país em constante transformação, a percepção de uma parte dele sobre os nordestinos fosse a única coisa que não tivesse evoluído”, completa. O autor articula eventos históricos, conceitos teóricos e exemplos concretos que atualizam o debate e o aproximam do leitor de hoje.
Para alinhar suas análises, Octávio recorreu a analogias como o resgate da figura de Macabéa, personagem do clássico “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, como metáfora do apagamento da identidade nordestina, moldada de fora para dentro. O autor propõe o conceito de “Complexo de Macabéa”, em referência à postura submissa, invisível e culpada atribuída a essa população.
Indo além da literatura, o autor também cita a representação nordestina na cultura popular, como na telenovela “No rancho fundo”, cuja caracterização dos personagens reacendeu debates sobre caricaturas nordestinas no audiovisual. Também é citado o emblemático caso do “homem gabiru”, personagem de uma matéria da Folha de S. Paulo, de 1991, que comparava nordestinos pobres a uma “nova espécie humana”, desumanizando seus corpos.
O desafio principal para o escritor, segundo ele, foi adaptar o conteúdo. “Sair da linguagem acadêmica para uma forma mais interessante de ser lida e absorvida, mais viva e próxima do leitor”, diz. E ele considera que conseguiu. Sem abrir mão do rigor analítico, Octávio elaborou um texto envolvente e acessível — um livro que pode ser lido de ponta a ponta ou consultado em momentos de reflexão.
Octávio Santiago atua nas áreas de estudos culturais, mídia e identidade, com foco na representação social do Nordeste no Brasil. Também é autor do romance “Coisa fraca no sol não prospera”, publicado em 2021 pela Editora Escribas.
Serviço:
Lançamento de “Só sei que foi assim: a trama do preconceito contra o povo do Nordeste”, de Octávio Santiago. Dia 24, às 16h, na 2ª Ocupação Literária, Pinacoteca do Estado.
TRIBUNA DO NORTE
Foto: BIA AZEVEDO